“Demônios da Garoa” e “Os Incríveis” são apenas alguns dos nomes que nos vêm à mente quando nos lembramos de conjuntos famosos da música brasileira – e que fazem parte do crescente grupo de músicos que já estão na 3ª idade.
Mas não é só a “moçada” famosa que está cantando e tocando por esse Brasil afora… Em Curitiba, no Paraná, um grupo muito carismático de idosos, que completa onze anos, já tem até 2 CDs lançados. E estão planejando o terceiro.
“Os Velhos Guris” (veja videoclipe acima) surgiu de um projeto de atividades de musicoterapia do Lar dos Idosos – Recanto Tarumã, mantido pela entidade Socorro aos Necessitados. O grupo teve três formações, mas um dos idealizadores, Odamir Bartholomeu, 81 anos, segue embalando o conjunto com música de qualidade.
Músico da noite curitibana “do tempo que tinha bonde”, Bartholomeu tocou seu inseparável pandeiro em casas noturnas como a boate Marrocos, mas, durante o dia, tinha sua segunda profissão, de técnico eletrônico. A chegada ao lar dos idosos aconteceu em 2003, porque não conseguia mais emprego. “Tinha voltado para Curitiba e lembrei que certa vez havia tocado no lar com a Nhá Gabriela e comentei que o final da vida seria aqui. Procurei a FAS (Fundação de Ação Social, parceira da entidade) e aquele comentário acabou se realizando”, explica.
Logo no primeiro dia, ele reencontrou um velho amigo músico, Jorge Xavier de Barros, conhecido como “coringa do pandeiro” e cujo nome artístico era Edson Jorge. “Edson por conta do inventor da lâmpada (Thomas Edson) e Jorge em homenagem ao São Jorge”, recorda. “Chegamos no mesmo dia aqui e nos encontramos no refeitório. Foi algo emocionante”, afirma. Reza a lenda que Edson Jorge integrou o grupo vocal “Bando da Lua” e tocou com Carmem Miranda antes dela ir para os Estados Unidos. “Um biógrafo veio procurá-lo no lar”, defende Bartholomeu.
Música como terapia
Meses depois, a musicoterapeuta e coordenadora do grupo, Claudimara Zanchetta, veio trabalhar no local com objetivo terapêutico. “O objetivo inicial era trabalhar a história musical de cada morador do lar, mas eles e um terceiro morador, Honório Santos, que como o Jorge ‘já foram chamados para o céu’, quiseram mais e fundaram o grupo”, revela.
Dos 117 moradores do Lar dos Idosos – todos homens –, 60% participam da musicoterapia. “São visíveis os reflexos positivos da atividade na autoestima deles. Muitos chegam aqui com depressão, já que a maioria vem por uma situação de abandono, mas a música resgata a alegria de viver, a memória e a vontade se cuidar”, relata. Ela admite que a prática clínica com os integrantes do grupo exigiu um esforço maior. “O atendimento resgata a produção musical da época vivida por eles e, para isso, precisei estudar para poder acompanhá-los, até porque, antes de chegar ao lar, a minha experiência era oposta, com crianças e jovens”.
Serenatas para lembrar das velhas namoradas
Os integrantes do grupo (foto acima), que, além de Bartholomeu, conta com José Ferreira da Costa, Ivo Domingues Mendes e Flávio Nunes, já gravaram dois CDs – um de moda de viola e outro de samba –, tendo sido consagrados com diversas premiações de projetos envolvendo a terceira idade e já fizeram apresentações memoráveis em lugares importantes da cidade, como o Museu Oscar Niemeyer.
Sem fazer muitos planos, os “guris” querem envelhecer com dignidade e, se possível, gravar um terceiro CD. “O terceiro poderia ser de serenatas, para lembrar das velhas namoradas”, declara Bartholomeu.
Conheça um pouco mais sobre o grupo assistindo ao documentário abaixo.
Jornalista pela Unimar (Universidade de Marília) e autora do livro ‘Vivendo’ (clique aqui para falar com a colunista)