Com magia, fé e conhecimentos fitoterápicos (sobre produtos obtidos das plantas para fins terapêuticos), as benzedeiras seguem aliviando dores do corpo e da alma. Mas, por falta de herdeiros, elas estão prestes a não existirem mais.
Laura Moreno (foto), 53 anos, herdou o dom dos avós, de Vitória da Conquista (BA). Ela é procurada constantemente por moradores da favela de Paraisópolis (zona Sul) e dos casarões vizinhos ao colégio Visconde de Porto Seguro no Morumbi. Laura, durante a benção, sussurra uma prece e, com alguns ramos de alecrim, a cada movimento sacode o ramo do lado de fora da casa. Ao término, o alecrim é jogado no mato bem longe. Esse movimento brusco, segundo ela, é para levar os males da pessoa embora.
Alice Mosca, 82 anos, começou a benzer tarde, somente depois que a mãe morreu. Muito católica, ela tem na sala um altar-mesa onde estão cerca de 20 imagens. Apesar do título, faz questão de dizer que não benze, reza, e quem benze é o padre. Empunhando uma faca, fecha os olhos e começa a sussurrar algumas palavras. Durante a benção faz o sinal da cruz com a lâmina e reza nove Pai Nossos.
Lourdes Mendes Maio, 78 anos, com um forte abraço, sempre alegre, e sem se importar com o horário, recebe quem bate à sua porta, seguindo a tradição da casa da avó italiana da região da Sicília e também da casa da mãe, na rua João Cachoeira, no Itaim Bibi. A oração, que aprendera na véspera do Natal só não pode ser usada na Sexta-Feira Santa. Sua mãe dizia que é o único dia em que não presta benzer. No bairro em que mora, a Vila Olímpia, quando era mais residencial, Lourdes disse que benzia muito mais.
Maria do Carmo da Silva, 69 anos, ou Carmem, como é conhecida, é Filha de uma índia (que foi batizada pela família Villas Boas) de Santa Cruz do Rio Pardo (340 km a oeste de SP). Com uma linha utilizada pouco ortodoxa, junto aos quadros de Saint Germain estão os símbolos da Cabala, imagens de São Benedito e um Menorá (candelabro sagrado judeu de Jerusalém) com velas coloridas. Carmem disse lembrar de ver sua mãe benzendo animais em volta da fogueira e que a reza era tão poderosa que os bernes saltavam do corpo dos bichos para o chão.
Ela recebe desde freqüentadores do clube Hebraica a vizinhos do Palácio do Governo, no Morumbi. Durante a benção, Carmem passa a tesoura em volta da pessoa, que representa cortar o que as pessoas têm de mal. Segundo ela, desde a antigüidade os bruxos já usavam o metal para afastarem as coisas ruins.
José Guilherme Magnani, coordenador do Núcleo de Antropologia Urbana da USP, disse que as benzedeiras são de uma época em que o acesso à medicina era mais restrito. Por isso, as pessoas recorriam a essas especialistas e que a falta de herdeiros é sintoma dos novos tempos.
Julieta Andrade, 77 anos, pesquisadora de cultura brasileira e estudante do tema desde 1947, discorda e afirma que nunca faltaram benzedeiras. Normalmente os sucessores estão dentro do próprio ambiente delas, e só irão aparecer após a morte delas. Essa é a tradição.
Acredite ou não, elas existem.
E como parte de nossa cultura, não devem desaparecer.
Coordenadora Geral do Portal Terceira Idade, Pesquisadora do Envelhecimento, Pedagoga e Jornalista (API, Assoc. Paulista de Imprensa: Reg. 2152) (clique aqui para falar com a colunista)