Em sua última entrevista, concedida ao Programa Panorama da TV Cultura, em 1977, pouco antes de falecer, Clarice Lispector (foto) declarou, irreverente: “Eu só escrevo quando eu quero, eu sou uma amadora e faço questão de continuar a ser amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever, ou então em relação ao outro. Agora, eu faço questão de não ser profissional, para manter minha liberdade”.
Questionada pelo jornalista Julio Lerner, durante a entrevista, se ela se considerava uma escritora difícil, ela não teve receio de dizer: “…tem um conto meu que eu não compreendo muito bem… O Ovo e a Galinha…”
Sua obra talvez mais conhecida do grande público foi “A Hora da Estrela”, adaptada para o cinema em 1985 (direção de Suzana Amaral), com Marcélia Cartaxo, no papel de Macabéa, nordestina jovem e desajeitada que vai viver em São Paulo, onde consegue emprego como datilógrafa.
Mas não foi só no Brasil que Clarice despertou interesse e curiosidade. A paixão da escritora canadense Claire Varin (no destaque da foto) pela língua portuguêsa a levou a conhecer a obra de Clarice, trazendo-a seis vezes ao Brasil para suas pesquisas sobre a autora. De suas pesquisas nasceram dois livros: “Rencontres Brésiliennes” e “Langues de Feu”, este último traduzido e lançado aqui como “Línguas de Fogo”, pela Editora Limiar.
“Clarice não é só tema de tese. Clarice é uma alma. Uma alma ardente, com os sensores sempre alertas. Uma permanente paixão, primeiro encarnada numa personalidade a que não faltava sequer a beleza física e metafísica. Os textos de Clarice estão carregados dessa energia que é o sinal de sua peculiaridade”, escreve Otto Lara Resende, na introdução do livro.
Para entender melhor Clarice, vamos ver um pouco sobre sua história.
Clarice Lispector nasceu na Ucrânia, em 1920. Seus pais migraram para o Brasil no ano seguinte. Após curta estadia em Maceió, a família muda-se para Recife, quando seu pai resolve adotar a nacionalidade brasileira. Com apenas nove anos, uma ida ao teatro a inspira e ela escreve “Pobre Menina Rica”, peça em três atos cujos originais foram perdidos.
Aos 16 anos, morando no Rio de Janeiro, termina o curso ginasial e inicia-se na leitura de livros de autores nacionais e estrangeiros mais conhecidos, alugados em uma biblioteca de seu bairro. Conhece, então, os trabalhos de Rachel de Queiroz, Machado de Assis, Eça de Queiroz, Graciliano Ramos, Jorge Amado e Dostoiévski.
Ingressa no Colégio Andrews aos 21 anos e, no ano seguinte, começa a trabalhar como jornalista. Em 1943, casa-se com o colega e diplomata Maury Gurgel Valente. Antes do final da II Guerra já estava na Europa (Itália) junto com o marido. Em 1944 lança “Perto do Coração Selvagem”. Morou na Suíça, na Inglaterra e nos Estados Unidos, voltando ao Brasil apenas da década de 1960, já divorciada do marido. Só então sua obra, relativamente pequena, passa a obter reconhecimento do público e da crítica brasileira e internacional.
A originalidade dos meios de expressão utilizados por Clarice Lispector tem sua correspondência no inovador universo de personagens que ela criou. Mas este universo apresenta alguns traços comuns. Em geral, são mulheres imersas em estado de absoluta interiorização, esmagadas pelo peso da subjetividade e para quem a realidade externa é nebulosa e ameaçadora. Recolhidas em dolorosa solidão, estas protagonistas buscam incessantemente a própria identidade.
“A Hora da Estrela”, publicado em 1977 pouco antes de Clarice morrer, é a única de suas obras que enfatiza aspectos da realidade objetiva e manifesta uma intenção explicitamente social.
Mesmo tendo sido reconhecida, sempre foi considerada uma escritora difícil. Além de contos, romances e literatura infantil, produziu matéria jornalística especialmente crônicas. Morreu em 1977, vítima de câncer generalizado.

Coordenadora Geral do Portal Terceira Idade, Pesquisadora do Envelhecimento, Pedagoga e Jornalista (API, Assoc. Paulista de Imprensa: Reg. 2152) (clique aqui para falar com a colunista)