Setenta anos antes do piloto de Fórmula 1 Lewis Hamilton (foto 4) estrear, pode ter havido um negro nas pistas europeias. Benedicto Lopes, o “Campineiro Voador” (fotos 1 e 2), foi o primeiro representante brasileiro a correr na Europa.
A incerteza é dos próprios filhos que, sem informações precisas sobre os antepassados, não sabem afirmar ao certo se há sangue africano na família. “Quando falavam que meu pai era negro, ele brincava que era intriga da oposição. Os avôs maternos eram de Portugal, mas do lado paterno tinha uma caboclada, era uma mistura só. Mas pode escrever que ele era negro, sim”, diz Valéria Lopes Cavallini, filha de Benedicto.
Já segundo o documentarista Paulo Scali, especializado em história do automobilismo brasileiro, ele afirma: “não há dúvidas, Benedicto era mulato com absoluta certeza. Era descendente afro. Encontrei isso em várias referências nas minhas pesquisas”.
Benedicto Lopes, nascido em 1904, no centro de Campinas (SP), filho de um maestro e de uma dona-de-casa, começou a fazer dinheiro em 1932, após a Revolução Constitucionalista. Sua grande idéia foi comprar jipes avariados, reformando-os para depois revendê-los.
Seu filho, Fernando, caminhoneiro que herdou do pai o gosto pela mecânica, conta que seu pai, “Dito”, como era conhecido, já com oficina montada (foto 1) e mecânico reconhecido na cidade, recebeu de um cliente o incentivo para se tornar piloto. O nome dele era Dante de Bartolomeu, que um dia pegou uma carona com seu pai, ficou impressionado com o jeito como ele dirigia e começou a insistir para que tentasse participar de umas corridas.
Sua estréia aconteceu em 1934, com um Bugatti emprestado por um amigo. A prova era o 2º GP do Rio de Janeiro, no Circuito da Gávea. Em 1935, com um Ford adaptado (foto 3), fez-se notar pela primeira vez. Liderou a prova e estava próximo da vitória quando, na 22ª das 25 voltas, bateu num retardatário que estava atravessado na avenida Niemeyer.
No ano seguinte, em 1936, Benedicto conseguiu sua primeira vitória, na estrada de Petrópolis. Vieram então outros triunfos em circuitos como o do Chapadão, em Campinas, e o da Quinta da Boa Vista, no Rio, até que foi convidado pelo Automóvel Clube de Portugal a participar de corridas naquele país.
Benedicto foi o primeiro brasileiro convidado a correr na Europa. “Campineiro Voador” –seu novo apelido adquirido em 1937– cruzou o Atlântico para três provas ao volante de um Alfa Romeo. Subiu ao pódio três vezes. Em Portugal, foi segundo no Estoril e terceiro em Vila Real. Na Itália, ficou em segundo em Pescara.
Com os três troféus na bagagem, desembarcou no Brasil sem a recepção esperada. As homenagens ficaram restritas ao meio do automobilismo. Num jantar promovido pelo Automóvel Clube do Brasil, batizou uma sopa: “Creme Benedito Lopes”, nome que aparece no cardápio guardado até hoje por sua filha Valéria.
Benedicto correu até 1954, despedindo-se do esporte com vitória no circuito de rua do Maracanã, quando já sofria de úlceras. O tratamento levou-o de volta a Campinas e sugou as economias da família. Doente, o então ex-piloto ainda conseguiu tocar uma oficina de Studebaker e, mais tarde, uma autorizada da DKW. E, claro, acompanhava com interesse seus sucessores na F-1.
Em 1986, já muito doente e sem conseguir trabalhar, Benedicto foi recebido pelo então presidente José Sarney, apresentado por Chico Amaral, ex-prefeito de Campinas. O ex-piloto recebeu uma pensão de dez salários mínimos, o que hoje equivaleria a R$ 4.150,00 por serviços prestados ao esporte nacional.
“Só quem acompanhava automobilismo, mesmo, reconhecia os feitos do meu pai. Naquela época não havia tanta divulgação, era bem diferente”, declarou seu filho Fernando.
Esta é mais uma história, das muitas que se perderam ao longo das décadas, e que hoje são contadas em alguns poucos livros e, principalmente, numa caixa de papelão na casa da filha Valéria, em Campinas, e num armário em São Vicente, onde vive seu filho Fernando.
Coordenadora de redação e interatividade do Portal Terceira Idade (clique aqui para falar com a colunista)
1 Comentário
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